Digo isso tudo porque não acredito em você. Quer dizer, acredito, mas não confio. É, acho que é isso, não confio em você, mas não é por mal. Não confio porque é assim que eu sou, porque é minha defesa, é meu jeito de me ferir menos, de levantar mais rápido, de ser forte. Não confio em você e também não confio nos outros, nem nos que dizem confiar em mim. Eu não confio em ninguém.
Mas nosso caso não é uma questão de confiança, acima de tudo. Mesmo que confiasse, um pouco, talvez, ainda assim, diria o mesmo. Não confio em ninguém, mas se fosse dar minha vida na mão de alguém, ou dividir minha existência entre muitas pessoas, ainda assim, não daria nenhum pedaço a você. Nenhuma lasca ínfima sequer. Não confio em quem me amedronta e não dou o braço para dizer que isso acontece.
Mas com você acontece o tempo todo. Acontece porque toda conversa começa com uma espécie de domínio da minha opinião e voz sobre a sua, que assume uma postura estranha de ingenuidade, de inferioridade falsa. Quase sempre, quando eu te olho, você ri e me responde a resposta mais simples de todas, me dá só a verdade, sem rodeios, sem discussão e eu fico sem saber o que pensar. Ninguém pode ser tão simples assim como você é!
Mas aí, quando eu estou montada em você, comendo todas as suas opiniões com as minhas vontades, minhas birras e a minha sutil falta de educação proposital, você se abre em uma enormidade assustadora. E faz isso sem pudor, sem aviso, sem nada. Quando percebo estou diante de alguém gigante que surgiu de uma semente que eu nem vi plantarem. É como se enquanto eu falasse você fosse um lagartinho, um tritão, um calanguinho sem cor. Mas quando, por algum motivo, decide falar, se transforma em dragão e abre as asas, rasga as paredes, derruba tudo ao redor, faz-se espaçoso e gigante para calar a minha boca ainda sorrindo, bebendo goles curtos de um copo de vidro sentado do outro lado da mesa. Eu morro de ódio disso.
Não tenho estrutura psicológica para aguentar alguém assim na minha vida. Não posso ter quem não controlo, nem gente que, se der na telha, me desdobra e ainda tem a cara de pau de dizer que está tudo bem. Eu não dou o braço a torcer. Nunca disse nada disso antes, eu sei, mas mesmo que eu seja muito firme na queda, acho que em alguns momentos, nos mais intensos, você percebeu que eu estava me borrando de medo. Não é um medo comum, daqueles que a gente tem vontade de fugir correndo e não olhar pra trás. Teu medo, esse que você me causa, me adoça a boca como se fosse uma hipnose.
Meu medo é exatamente desse tipo doce de ameaça que você me oferece. Nunca me obrigou a nada, nunca foi rude, nem grosso, nem sequer levantou a voz para mim. Qualidades que eu nunca quis reconhecer, mas poucos homens me trataram tão bem como você me trata. Mas eu sei que você sempre se esforçou para entrar dentro de mim, fosse no coração, em outras épocas, ou na mente, como agora. Meu medo vem dessa busca que você iniciou por uma brecha na minha armadura. Vai que um dia você acha, como eu vou fazer?
É por isso tudo que não confio em você. Não posso dar-me, nem inteira, nem em partes, para alguém que me deixa ganhar umas, pra me deixar confiante demais e reagir de repente, sem aviso prévio, para me pegar desprevenida e nunca mais perder de novo. Ainda tenho meu orgulho. Não quero um dia te contar de uma desilusão amorosa besta, ou de uma decepção em casa, ou de uma briga no trabalho, e, no meio do meu discurso cheio de razão, você crescer pra cima de mim e me convencer de que eu estou errada.
Odeio a sensação de que, a qualquer momento, vão me quebrar no meio, me fazer perder a fala, a ideia, o fluxo de consciência. E é nessa repulsa que mora meu maior dilema. Sinto que, quando conversamos, a todo momento você vai fazer sua metamorfose mental e passar da lagartixa a dragão e eu vou ficar com cara de idiota, frágil, vulnerável, aberta em todos os sentidos para qualquer coisa que você me disser. Mas, ao mesmo tempo, a cada vez que abro minha boca para dizer uma novidade e dou de cara com o seu rosto interessado, com a sua testa franzida fazendo associações e comparações silenciosas durante a história, percebo que só vale a pena contar para você.
Nenhuma história é tão legal chegando aos ouvidos dos outros. Eles só me julgam, ou não dizem nada, porque só conhecem os meus defeitos e só sabem me ver assim. Você me conhece, e conhece meu mundo, e mistura com o seu e, de repente, vê tudo de um jeito novo. Contar para você é melhor, a sua reação é melhor, a sua curiosidade e interesse são mais sinceros. Sinto que ninguém mais está tão afim de ouvir o que eu tenho para dizer quanto você, quando a gente conversa.
Te vejo como um tipo de engolidor de verdades, como um tamanduá que suga o conteúdo de dentro dos buracos mais escuros. Você me vem com essa língua infinita, enfia na minha orelha, lambe meu cérebro com calma, me fecha os olhos, me deixa levitar, me domina com calma, essa sua calma filha da puta que não acaba nunca e me rouba todas as verdades que eu não queria contar. Você é um ladrão dos meus sentimentos e das minhas verdades. Aí eu digo que é brincadeira, ou que você não entendeu nada e mudo tudo, mas no fundo já sei que você entendeu a realidade toda.
É por isso que não confio em você. Não confio em quem me rouba, nem em quem me domina, nem em quem me engana, nem em quem me induz, nem em quem me manipula, nem em quem me cerca, nem em quem me ganha, nem em quem me prende, nem em quem me larga ao léu, nem em gente assim como você, que é tanta coisa que começa a ficar sem adjetivo e passa a puxar substantivos abstratos para se definir, como tamanduás, dragões, gigantes, calangos, ladrões, mágicos, hipnotizadores e larápios. Você é um monte de coisa que eu não estou acostumada a ver e é por isso que não confio. Meu medo de você e de tudo que você é está acima de qualquer mudança: minha confiança você nunca terá.
Vem Comigo!
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